Ditadura soma pontos

João Lourenço tem tudo para se perpetuar no Poder. Para além de Presidente do MPLA também é Presidente (não nominalmente eleito) da República e Titular do Poder Executivo. Acresce que tem (ao que parece) todas as sucursais do MPLA prontinhas a cumprir as suas ordens. A Comissão Nacional Eleitoral está pronta para transformar os votos dos outros partidos em votos no MPLA, os tribunais já trabalham para assassinar os adversários mais perigosos.

Se a isso juntar a pandemia da Covid-19, a crise do petróleo e a catástrofe económica com o Produto Interno Bruto a furar o fundo, João Lourenço pode fazer o que bem entender: adiar todas as eleições, suspender a Constituição, meter a suposta democracia numa gaveta, adiar “sine die” os direitos civis (liberdade de expressão etc.), pôr as Forças Armadas (ainda mais) nas ruas e colocar em coma induzido o Estado de Direito.

Há pouco mais de um ano, José Eduardo Agualusa assumiu ter “mais medo dos polícias [angolanos] do que dos ladrões”, frase que considerou “sintomática” e que reflecte o passado e ainda o presente em Angola. E como a esperança é a última a chegar ao fim da picada, esperemos que o futuro (mais ou menos longínquo) dê aos nossos netos outra realidade.

José Eduardo Agualusa falava momentos após ter apresentado em Luanda, pela segunda vez em menos de quatro dias, o livro “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, lançado em Portugal em Maio de 2017, mas que só em 2019 foi possível fazer na capital angolana, assumindo que a frase pertence a um personagem da obra, publicada numa altura em que José Eduardo dos Santos ainda era Presidente de Angola.

“Acho que essa é uma característica de qualquer pessoa que venha de um país do terceiro mundo. Sabemos que vimos de um país de terceiro mundo quando temos mais medo dos polícias do que dos ladrões, ou seja, da autoridade. Em países desenvolvidos, realmente desenvolvidos, como os países do norte da Europa, por exemplo, as pessoas não têm medo da autoridade. A autoridade é alguém em que se tem de confiar”, sustentou.

Sobre a “evolução” política e social em Angola, José Eduardo Agualusa afirmou-se com sentimentos contraditórios, salientando que a governação do Presidente João Lourenço, que chegou ao poder (não nominalmente eleito) em Setembro de 2017, “abriu, de facto, uma janela de esperança”, embora haja ainda muito a fazer.

“De um ponto de vista de pacificação da sociedade, acho que a situação melhorou muito, as pessoas realmente perderam o medo, está todo o mundo muito mais à vontade, mas ainda há muito a fazer no sentido de democratizar completamente o país”, sustentou.

Instado a exemplificar, José Eduardo Agualusa, que depois regressou a Moçambique – vive actualmente na ilha homónima -, avançou com alterações à Constituição de 2010, que dá poderes absolutos ao chefe de Estado, disse, “foi criada à medida, aos desejos, do anterior Presidente [José Eduardo dos Santos]”, bem como a questão do poder local – “que me parece muito importante”, tendo como pano de fundo as eleições autárquicas previstas para 2020.

“João Lourenço deveria começar por alterar a Constituição para demonstrar o seu empenho numa maior democratização do país”, observou, defendendo que “se o Presidente angolano quer dar um sinal de que, “de facto”, não está disposto apenas a combater a corrupção, mas democratizar por completo a sociedade angolana, terá de dar esse passo”.

Sobre se as mudanças protagonizadas pela nova governação de João Lourenço podem ser postas em causa “pelos inimigos que estão dentro do partido” no poder desde 1975, o MPLA, José Eduardo Agualusa admitiu que existem “perigos reais”, mas sublinhou que a sociedade civil não permitirá ousadias.

“Acho que existem perigos reais, mas acho também que João Lourenço, até ao momento, conta, sobretudo nesse combate à corrupção, com largo apoio da sociedade civil e, por isso, espero que não haja ninguém tentado a fazer um golpe de Estado ou algo parecido contra a política do Presidente João Lourenço”, afirmou.

Ditadores prometem sempre a… democracia

Em Junho de 2015, a resolução final da Assembleia Nacional com o plano de tarefas essenciais para realizar as eleições gerais, em 2017, e as primeiras autárquicas, dizia que a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola seria antecedida, já em 2015, pela elaboração de um diagnóstico sobre os recursos humanos do actual poder local e por uma delimitação territorial.

No caso das autárquicas, esta resolução – além de passos para o registo eleitoral – previa a realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos humanos, financeiros e infra-estruturas necessárias às autarquias locais, a concluir “até Agosto de 2015”.

No segundo semestre de 2015 seria realizada a delimitação territorial, “definindo correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros elementos necessários”, lê-se na referida resolução, aprovada – recorde-se – no Parlamento por unanimidade e publicada a 17 de Junho de 2015.

Neste último processo seriam definidos limites geográficos das circunscrições administrativas e autárquicas, fixados marcos geodésicos e placas identificativas dos limites territoriais, definida e clarificada a toponímia, além de atribuídos números de polícia a cada circunscrição territorial.

Igualmente nesse segundo semestre (2015), o Governo deveria avaliar o potencial de arrecadação de receitas pelos futuros municípios e adaptar a estrutura e funções do Orçamento Geral do Estado e a da Administração Fiscal para o efeito, além de fazer o levantamento do património imobiliário da administração local actual e decidir “sobre o património a transferir para as autarquias locais”.

A última das tarefas definida nessa resolução previa a promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das primeiras autárquicas, até Março de 2016, e sem referir datas, concluiu pela necessidade de “promoção de condições efectivas para convocação das Eleições Autárquicas”.

A 15 de Outubro de 2014, no seu habitual discurso anual sobre o estado da nação, o então Presidente de Angola excluiu a realização das primeiras eleições autárquicas no país antes de 2017, advertindo que “é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”.

“Penso que devemos trabalhar de forma mais unida e coerente para a concretização deste grande desejo dos angolanos, ao invés de transformarmos este assunto em tema de controvérsia e de retórica político-partidária”, apontou José Eduardo dos Santos.

Nessa intervenção, o chefe de Estado alertou que “são várias as questões” que os órgãos de soberania “têm que tratar até que sejam reunidas as condições necessárias para a criação das autarquias”.

“Penso que todos queremos dar passos firmes em frente para aprofundarmos o nosso processo democrático, mas é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”, afirmou, desafiando a Assembleia Nacional a clarificar um calendário para “depois passar à acção”.

Já em 2014 a Oposição insistia que havia condições para que as eleições autárquicas fossem realizadas antes de 2017 e rejeitava os argumentos do presidente José Eduardo dos Santos que disse que provavelmente só em 2017 haveria condições para tal.

A UNITA, por exemplo, pensava que se houvesse vontade por parte do Presidente da República as autarquias poderiam ser uma realidade em 2015.

Com efeito, o então líder da bancada parlamentar do partido do Galo Negro, Raúl Danda, considerava que as razões avançadas por Eduardo dos Santos, como obstáculos, para a implementação das autarquias no país não faziam qualquer sentido.

“Como é que há dinheiro para se dar ao Banco Espírito Santo de Angola, 5.7 bilhões de dólares, do erário publico para generais que envergonham o país ao irem gastar lá fora, compram casas lá fora, onde encontram milhões de euros dentro de casa, milhões de euros e dólares para irem jogar batota lá fora, para se praticar tráfico de seres humanos e prostituição internacional e não há dinheiro para se realizar as autarquias? Só pode ser brincadeira”, disse.

Num dos seus discursos na Assembleia Nacional, o presidente Eduardo dos Santos indicou que mesmo em 2017 poderia ainda não haver condições para as eleições autárquicas.

Raúl Danda dizia ser difícil acreditar nas palavras do presidente angolano: “O presidente José Eduardo dos Santos num momento diz uma coisa, noutro momento depois de ter dormido acordou e pensou bem e diz outra coisa. Isso é sinal que daqui a dois meses pode chegar à conclusão que este país não precisa de autarquias”.

“Com vontade política em 2015 nós podemos ter eleições autárquicas, porque não?”, concluía o então chefe da bancada parlamentar da UNITA.

Outro político que não fazia fé no pronunciamento de José Eduardo dos Santos era Nelson Pestana, para quem “a Constituição é para ser aplicada e não para perguntar se isso é ou não realista e pragmático”.

“As autarquias são um imperativo constitucional, para serem implementadas e não para perguntar se são realistas ou pragmáticos”, acrescentou o político, lembrando que, no ano anterior (2013), José Eduardo dos Santos no discurso sobre o estado da nação “disse que não se pode mais pôr em causa a importância e a necessidade da implementação das autarquias”.

“Um ano depois vem dizer-nos que que não tinha pensado bem e que não levou em consideração uma série de pressupostos e que agora é realista e pragmático e acha que não se deve realizar antes de 2017!”, exclamava Nelson Pestana.

Em 2020 todos temos uma certeza. Angola só voltará a ter eleições (sejam elas quais forem) quando o MPLA tiver a certeza que vai ganhar com a percentagem que quiser. Nesta altura, embora a máquina eleitoral da CNE já tenha testado todas as suas valências (caso de pôr os mortos a votar… no MPLA), existe a ameaça de revolta (que pode ser violenta) de uma sociedade que está farta de comer peixe podre e fuba podre, levando porrada quando refila.

A isso acresce a contínua contagem de espingardas dentro do próprio MPLA, bem como a incerteza quanto à (até agora ancestral e canina) fidelidade das próprias Forças Armadas ao… MPLA.

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